Lievito Madre: Será Que Preciso Amarrar Ou Colocar Na Água?

Quem nunca entrou no Instagram e viu um fermento Lievito Madre amarrado ou imerso em água e ficou sem saber a razão?

No post de hoje vamos falar sobre as razões que os padeiros usam essas técnicas e para que elas servem.

lievito madre

Introdução

Com a pandemia e o surgimento de milhares de novos padeiros artesanais, o interesse pelo fermento natural e pela panificação artesanal cresceu muito. 

E a nova onda da Internet entre os padeiros, sem dúvida é o Lievito Madre, usado na confecção do santo graal da panificação: o Panettone e seus parentes mais próximos, como a Colomba Pascal!

Essas duas receitas estão no meu curso de Panetone Artesanal Descomplicado, que você pode acessar aqui.

colomba pascal feita com lievito madre

O Panetone pertence à classe dos pães conhecidos como enriquecidos. Ou seja, são pães que tem uma carga de gordura muito grande em sua massa. Por esta razão, este tipo de massa exige uma farinha forte, com grande capacidade de absorção de gorduras e também um fermento bem forte.

Isso porque ele precisa aguentar a longa fermentação sem acidificar demais e tornar o produto final agradável ao nosso paladar. 

panetone artesanal

E na hora de fazer o panetone, se a gente usa uma farinha dita fraca, que não tem as proteínas suficientes para aguentar esta longa fermentação, ao final do processo você sente o glúten se desfazendo, se degradando. A massa começa a rasgar toda, e por consequência, o resultado final do panetone é de uma textura de bolo e não desfia! O famoso “Bolotone” rsrs.

Então, para que seu panetone dê certo, é necessário uma farinha forte que aguente vários dias de fermentação lenta e ao mesmo tempo, um fermento forte, de consistência mais firme que se mantenha ativo e ofereça força fermentativa para aguentar esta maratona do panetone  sem acidificar demais.

É nesta hora que entra o Lievito Madre

Ao contrário do fermento natural tradicional, que na maioria das vezes tem consistência mais líquida, o lievito madre, é alimentado apenas com metade da quantidade de água com relação à farinha, por isso, ele fica com uma consistência bem firme.

O intuito desta quantidade reduzida de água é conceder mais força na hora de fermentar o panetone tradicional italiano, pois apenas no primeiro impasto (primeira massa do panetone, como é chamada na Itália), pode levar até 15 horas de fermentação!

Usado para fermentar massas super enriquecidas com manteiga e manter sua força após longos períodos de fermentação,  o lievito madre é basicamente um fermento natural mais firme, feito em geral com 40 a  50% de hidratação (dependendo do método adotado).

Mas você sabia que existem várias formas de manter do lievito madre?

É claro que cada um cuida do levain e do lievito da forma como acha melhor. Se aquilo faz sentido pra você e te traz bons resultados, tá tudo certo. Porém, existem 2 técnicas mais comuns de manutenção da pasta madre que são super tradicionais na Itália: 

O método milanês e o método piamontes. 

Método milanês:

O método milanês é o mais adotado entre a maioria dos padeiros profissionais, talvez pela sua  praticidade. 

Dentre os adeptos está Igino Massari, grande mestre italiano. 

Igino Massari

Neste método, a manutenção do lievito madre é feita à seco com refrescos regulares, conhecidos como refrescos curtos, com intervalos de 3 a 4 horas que vão garantir a saúde da massa madre.

No método milanês,  a única hora que o lievito vai na água é na hora do bagneto , uma espécie de banho que vai ajudar retirar um pouco da acidez excessiva.

O processo consiste basicamente em cortar o lievito em alguns pedaços e deixar descansando por alguns minutos na água com um pouco de açúcar. 

Porém, nem todos os padeiros que adotam o método milanês são adeptos do “banho”.

Ezio Marinatto por exemplo, outro grande mestre italiano que adota o método milanês afirma que nunca dá banho em sua pasta madre. 

E além dos refrescos curtos e do bagneto, o método milanês tem também o chamado refresco longo, fase de limpeza ou conservação,  no qual se amarra o lievito e se mantém na geladeira até a próxima alimentação. 

Mas porquê amarrar o lievito madre? 

Qual a razão disto? Será alguma crendice popular? Nada disso, não é feitiçaria, é tecnologia! Rsrs 

Brincadeiras à parte, por incrível que pareça, este processo tem toda uma explicação científica. 

Segundo Thomas Teffri- Chambelland, autor do livro Sourdough Panettone and Viennoiserie

panettone Y boleria

“O refresco longo, também chamado de fase de descanso, limpeza e conservação geralmente dura de 12 a 16 horas. Nesta fase, é preciso armazenar o Lievito Madre a uma temperatura próxima a 18 ° C. 

Este processo geralmente é feito à noite. O processo básico consiste em manter o Lievito Madre bem embrulhado em um pano, (com adição de filme plástico ou não), para que o ambiente se torne totalmente anaeróbico. A falta de oxigênio é prejudicial para o desenvolvimento das leveduras e a produção de levedura em comparação com as bactérias é menor.

No final desta fase, as leveduras representam cerca de 4,5% dos fermentos totais (em comparação com 5,4% em final do primeiro refresco curto). A temperatura de 18 ° C ainda permite uma produção significativa de ácido na massa madre. Assim, o objetivo dessa “forte acidez” é essencialmente purificar a massa fermentada e livrá-la de cepas indesejáveis.” 

Ainda segundo Thomas Teffri- Chambelland, “porém, se a massa madre for enrolada mas no dia seguinte não está prevista a produção de panetone, ela pode ser guardada na geladeira a 5 ° C.  A fermentação será muito lenta e a massa fermentada pode ser guardada por cerca de um mês.  Este estágio é chamado de conservação”.  

Portanto, amarrar o lievito é uma forma de reduzir leveduras indesejadas que povoam a massa madre. O objetivo é criar um meio anaeróbico, que produz ácidos que vão matar leveduras indesejadas. Assim podemos fortalecer o Levain.

Método Piamontes:

O método piamontes, ao contrário do método milanês, faz uma parte da manutenção da pasta madre em água. Por esta razão, a hidratação da pasta madre é ainda menor do que no método Milanês. Em geral, os padeiros que utilizam o método Milanês usam a hidratação de 40% a 45%. Tudo para que o fermento não se desmanche quando forem imersos na água. 

Este método tem entre seus adeptos o Mestre Italiano Giorilli, autor do aclamado livro La Levitazione Lenta.

Mestre Italiano Giorilli

Tiradas as diferenças pessoais que cada mestre prefere, no geral, o método piamontes adota algumas alimentações à seco com fermentação dentro de um recipiente cilíndrico sem água e, após as alimentações à seco, o fermento é laminado, enrolado e então colocado em um recipiente coberto com água a cerca de 15 graus por cerca de 18 horas para crescer e se desenvolver.  Neste método, é possível medir a força do fermento observando-se em quanto tempo o fermento consegue sair da água. 

Benefícios do método

Um dos benefícios do método piamontes é que  como a  pasta madre amadurece na água, todo o excesso de acidez se dissolve nela. 

Segundo o site The Home Bakery, a conservação do lievito na água vai tornar os tempos da fermentação do panetone um pouco mais longos: 

“Geralmente a pasta madre conservada na água possui uma elevada acidez láctica e, portanto, inibe o desenvolvimento de leveduras com a saccharomyces. Isto significa que os tempos para atingir os volumes clássicos de produção (triplicar a primeira massa) são um pouco mais longos. O resultado será um produto muito mais aromático, um pouco mais ácido, com uma vida útil muito mais longa, tanto em termos de maciez do produto quanto no desenvolvimento de bolor.”

Outro aspecto a se considerar é que embora o método Piamontes seja bem eficaz para equilibrar a acidez do lievito, exige uma manutenção bem mais constante do que o método milanês. Segundo Thomas Teffri- Chambelland, “embora o método piemontês seja muito eficaz para a produção (fase de limpeza), quando é utilizado para a fase de conservação na geladeira, a massa fermentada derrete na água após alguns dias.  Por isso, durante os períodos sem produção, o método piemontês é restritivo e obriga a uma renovação mais frequente da massa fermentada do que o método milanês.” 

Conclusão

Então é isso. Nesse post você aprendeu um pouco o motivo de alguns padeiros amarrarem o lievito madre ou deixá-lo submerso na água.

Se ficou alguma dúvida, então deixe seu comentário, que respondo assim que possível.

Sobre o Autor

6 Comentários

  1. Esse livro é muito bom! Realmente, há diversas maneiras de utilização e manutenção da massa mãe com menos hidratação. Eu, por exemplo, apenas enrolo pra guardar na geladeira quando não há produção prevista, mas também guardei muitas vezes em potes de vidro. Não vi diferença no resultado final do produto. O que percebi foi um desperdício de produto com a geração de uma casca entre o plástico e o miolo da massa mãe. Hj amarro no pano por causa de espaço. Consigo armazenar uma quantidade maior em menos espaço do que no pote de vidro.
    A sua postagem ta ótima!

  2. Parabéns pela explicação !
    Lutando ainda para transformar meu levain e Lievito já até consegui. Tenho que dominar o lievito pois para produção precisa de uma quantidade grande aí que embola tudo!
    Fiz para dois panettones e deu super certo !


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