Conheça a história da primeira biblioteca de Fermento Natural do mundo

No post de hoje vamos falar sobre a história da primeira biblioteca de Fermento Natural do mundo.

Nestes tempos de quarentena, as pessoas estão canalizando suas ansiedades e buscando terapias alternativas, caseiras, como a velha arte da panificação. Fazer doces, biscoitos e pães caseiros virou quase uma epidemia nesta quarentena. Eu falei sobre a pãodemia lá no blog.

Em uma rápida visita ao mercado já dá pra perceber que produtos básicos de panificação, como fermento e farinha, estão se tornando mais difíceis de encontrar. Outra pista de que estamos vivendo uma pãodemia são as pesquisas do Google por receitas de pão, que aumentaram bastante nos últimos tempos.

Muitas vezes, com dificuldades para encontrar fermento biológico no mercado, as pessoas estão se voltando para uma tradição mais antiga, milenar, eu diria… que é a fermentação natural. O Levain é o novo queridinho da quarentena.

Por falar nisso, você já tem seu Fermento Natural? Nesse link você pode baixar meu e-book onde ensino a fazer seu Levain do Zero.

A primeira biblioteca de fermento natural do mundo

Esses dias eu estava passeando pela internet, pesquisando sobre panificação artesanal, quando uma matéria do NY Times me chamou a atenção. Esse post é pra falar sobre isso. A reportagem falava da primeira e única biblioteca de Massa Madre do mundo.

Um cara chamado Karl De Smedt (@the_sourdough_librarian) – esse barbudo ai nas fotos – é o curador da biblioteca, que reúne vários tipos de Fermento Natural de todas as partes do planeta.

Localizada na aldeia de Sant Vith, a 13 km a sudeste de Bruxelas, a biblioteca abriga a coleção mais extensa do mundo de Fermento Natural.

De Smedt falou uma coisa que eu sempre falo aqui no blog: Cada fermento tem seu próprio coração, quase sua própria vontade e se você tratar bem seu fermento natural, ele vai te recompensar muito bem, com pães maravilhosos. Seja amigo do seu fermento e ele será um bom amigo para você.

Preservação para gerações futuras

Muita gente já ouviu falar sobre o famoso cofre de sementes da Noruega, que protege as plantações contra desastres. Eles têm sementes de todas as partes e de todo tipo de plantas. Tem também o projeto Ice Memory na Antártica, que protege os núcleos glaciais de gelo ameaçados pelas mudanças climáticas.

Assim como esses dois, a biblioteca de sourdough é também um centro de preservação. Além de apresentar variedades geograficamente diversas de fermento, conserva um estoque crescente para as gerações futuras estudarem.

O curador da biblioteca disse que “As amostras servem como backup para padeiros e padarias que podem perder ou danificar seu próprio suprimento”.

Embora a biblioteca, criada em 2013 pela Puratos, empresa belga de suprimentos para padarias, não seja aberta ao público, seu banco de dados on-line oferece notas detalhadas sobre cores, sabores e texturas de todas as Massas Madre lá armazenadas.

Como surgiu a ideia da primeira biblioteca de fermento natural do mundo?

A idéia para a biblioteca surgiu depois que um padeiro sírio, fabricante de biscoitos tradicionais de grão-de-bico, entrou em contato com a Puratos para ver se a empresa documentaria e preservaria seu fermento. Seus dois filhos queriam passar do fermento tradicional para o fermento comercial. Ele temia que o seu fermento natural desaparecesse e esperava encontrar um lar para ele.

As paredes da biblioteca presidida por De Smedt estão revestidas de armários iluminados mantidos a 5 graus Celsius. Por trás das frentes de vidro, há prateleiras de jarros Mason nas quais os fermentos estão guardados.

Na última contagem, havia 125 tipos diferentes de Massa Madre, de todas as partes do mundo.

O Sr. De Smedt sabe até seus nomes: “Roberta, Rebola, Vitus. … ”

Cada Levain é único

Para preservar o caráter único de cada fermento individual, eles são alimentados a cada 2 meses com a farinha com a mesma origem, vinda da mesma região que veio o fermento. Os doadores são obrigados a contribuir com suprimentos anuais de farinha para manutenção da biblioteca. Isso é feito para que a Massa Madre possa conservar as características originais da região de onde veio.

O Sourdough (ou pão artesanal, como é mais conhecido aqui no Brasil), é a forma mais antiga de pão fermentado. No ano passado, Seamus Blackley, pai do Xbox, assou um pão usando o que era supostamente um fermento de 4.500 anos raspado de uma peça de cerâmica egípcia antiga. Surpreendente, não! Se for verdade, é uma das coisas mais legais que já nesse mundo da panificação artesanal. Imaginem isso! Um fermento de 4500 anos que pôde ser ressuscitado! Depois dessa, não duvido mais de nada…

A questão é que todas as receitas modernas de pão começam com um starter, uma Massa Madre, que é basicamente uma pasta de farinha e água colonizada por bactérias e leveduras selvagens transportadas pelo ar que comem, reproduzem e expiram dióxido de carbono, o que ajuda o pão a crescer.

O sabor picante e o cheiro brilhantemente ácido derivam dos lactobacilos, primos das bactérias que misturamos com o leite para fazer queijo e iogurte. Os fermentos são únicos, foram feitos sob medida para os ambientes em que foram criados; não há dois fermentos com o mesmo sabor.

A busca por novas amostras de fermento natural para a biblioteca

O Sr. De Smedt viaja pelo mundo em busca de novas amostras. Ele prioriza renome, origens incomuns, o tipo de farinha usada e a idade aproximada do fermento. O mais importante é que a massa fermentada deve vir de uma fermentação espontânea e não inoculada com uma cultura comercial inicial, ele explica.

Todos os anos são adicionada à coleção mais ou menos 20 novas amostras de Massa Madre, de escolas de culinária, padeiros, pizzarias e padarias artesanais e industriais. “Sourdough é a alma de muitas padarias”, disse ele. “Quando os padeiros confiam em suas almas, é melhor cuidar disso.”

Ele já colheu amostras de 25 países, incluindo Eslovênia, Peru, Cingapura e Brasil.

A coleção de Levain

biblioteca de fermento natural
Foto: NY Times

O Starter No. 1 da coleção é de Altamura, na Itália. O pão de lá é tradicionalmente feito de farinha de sêmola, a forma moída de trigo duro e data pelo menos ao ano de 37 antes de Cristo, quando o poeta romano Horácio o elogiou como o melhor pão que já havia comido.

O fermento número 100 é especial porque é japonês e feito com arroz de saquê cozido”, disse De Smedt. “O número 72 é do México e precisa ser atualizado com ovos, limão e cerveja”

Já o fermento número 43 é um favorito sentimental. O curador do museu diz que é um fermento de São Francisco, nos Estados Unidos, e foi o primeiro que viu na vida. Quando começou a trabalhar como preparador de testes para a Puratos em 1994, uma das suas tarefas era atualizar o fermento número 43″. Na verdade, ele assou seu primeiro pão de fermento com ele.

Ele não tem como saber qual das 125 Massas Madre é a mais antiga. Não se pode testar a idade do fermento com carbono, ele diz. “As colônias microbianas de um fermento podem mudar completamente, dependendo de como é alimentado e mantido. Se alguém insistisse que tinha uma massa de fermento de 500 anos, eu teria que acreditar”, comentou.

Expedição em busca de Fermento Natural

Há dois anos, Carl e uma equipe de filmagem seguiram o caminho dos garimpeiros iniciantes da Klondike Gold Rush, começando em Seattle, depois no Alasca, e terminando a expedição em Dawson City, no estado de Yukon, no norte do Canadá. “Na virada do século 20, os garimpeiros tiveram que mostrar à polícia montada na fronteira do Canadá que tinham provisões suficientes para sobreviver um ano no Yukon”, disse ele. “Além de batatas e enlatados,eles traziam fermento natural, geralmente em sacos de linho amarrados no pescoço, para que eles sempre tivessem massa pronta para fazer panquecas.”

Em Whitehorse, capital de Yukon, Carl se encontrou com Ione Christensen, ex-prefeita, hoje com 86 anos. Sua Massa Madre foi passada a ela pelo seu bisavô, Wesley David Ballentine. “É um animal de estimação da família”, disse. Em 1897, Ballentine guardou o fermento em um saco de farinha e caminhou sobre o Chilkoot Pass a caminho dos campos de ouro de Klondike. Nas noites frias, ele e seus companheiros se deitavam junto com os sacos para manter seu conteúdo quente e vivo.

As mãos dos padeiros influenciam o sabor dos pães?

Uma colaboração com os biólogos Rob Dunn e Anne Madden, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, levou a uma descoberta surpreendente sobre a interação microbiana entre padeiros e fermentos. “A suposição era de que os micróbios nas mãos dos padeiros influenciavam o sabor do pão”, disse Carl. Padeiros de 16 países foram solicitados a fazer fermentos com uma farinha e receita comuns e alimentá-los. Em 4 de julho de 2018, os padeiros e suas Massas Madre se reuniram nas instalações de Puratos em St. Vith para fazer pão.

Depois, os pesquisadores esfregaram as mãos lavadas dos padeiros e cultivaram os micróbios. A conclusão superou as expectativa: os micróbios nas mãos dos padeiros espelhavam os micróbios dentro de suas massas. Segundo o estudo, não foram as bactérias das mãos que influenciaram o pão, mas as bactérias do fermento que foram encontradas nas mãos. “As mãos dos padeiros refletem a vida que eles viveram”, observou Dunn, “uma vida com os dedos e os polegares na massa”.

O fermento pode conter micróbios da pessoa que o criou

Além de leveduras e bactérias, a massa fermentada abriga muitos segredos. Uma é se os fermentos muito antigos retêm micróbios da pessoa que os criou. “O starter que você recebeu da sua avó ainda tem alguns micróbios do corpo dela?” perguntou o Dr. Dunn. “Sua avó está viva no fermento que ela deu a você? Acho que descobriremos que, em alguns casos, a resposta é sim”.

Fermentando na quarentena

Carl, como muitos de seus compatriotas, passou a quarentena fermentando em casa. Ele ocupou seu tempo assando pão, escrevendo posts para os vários sites da Puratos e revisando as traduções em francês e holandês de um livro de Anita Sumer, do @Sourdough_mania.

Se for detido pela polícia por violar o toque de recolher, o que ele vai dizer? “Não é tão fácil explicar que tenho uma biblioteca de sourdough para cuidar”, admitiu De Smedt. “Acho que posso afirmar que é uma emergência: 125 mães exigem minha atenção.

Bom, então é isso. Espero que tenham gostado dessa história sobre a primeira biblioteca de Fermento Natural do mundo. Os comentários estão abertos. Até a próxima!

Sobre o Autor

7 Comentários

  1. Amanda, adorei a história, mas fiquei com uma dúvida. Nos meus estudos sobre levain eu li muito sobre a diferença de ambiente também influenciar uma cultura. Que mesmo que meu fermento tenha vindo na Bélgica, com o tempo ele será puramente brasileiro, com as bactérias que compõe o ambiente onde moro. E isso se renovaria caso eu mudasse de casa, ou mudasse o clima. Sobre o mito de um levain de quatrocentalhões de ano, uma vez que ele sempre é renovado.
    A mágica da particularidade do levain estaria atrelada ao seu ambiente natural, construir um local para abrigar levains de todo o mundo não parece, segundo esta teoria, uma coisa eficaz. Com o tempo, todos os fermentos acabariam tornando-se algo particular daquele ambiente. Sem a mágica do local de onde vieram. Como colher uma flor para colocar no jarro.
    O que vc acha disso?

    • Oi!! Eu também pensei sobre isso sabe. Talvez a forma como os levains são armazenados a 5 graus celsius em geladeiras separadas ajude a preservar as características originais. E também o fato de que são alimentados com a mesma farinha de origem. Porém, também acho que inevitavelmente acho que eles vão adquirindo as características do novo ambiente.


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